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Direito criminal / 20 de janeiro de 2020
Criminalização da advocacia em pauta no Congresso

O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Eis o texto do artigo 133 da Constituição Federal, que voltou a ser colocado em xeque no Congresso Nacional, desta vez por iniciativa da Deputada Bia Kicis (PSL/DF), autora do Projeto de Lei 3.787/2019, propondo a criminalização da advocacia, seja por meio da alteração da Lei de Lavagem de Dinheiro, seja por meio de modificações no Código Penal.

Projeto, aliás, que muito pouco inova em relação ao 442/2019 e tantos outros já apresentados anteriormente, a exemplo dos PL’s 5668/2016 (antigo 577/2003), 5562/2005 e 6413/2005, estes todos barrados pela Comissão de Constituição de Justiça, por inconstitucionalidade manifesta.

O objetivo central das propostas legislativas é sempre o mesmo: criminalizar o recebimento de honorários advocatícios quando houver conhecimento ou possibilidade para tanto, da origem ilícita dos recursos utilizados para tal pagamento, sob a justificativa de que tal prática tem o condão de lavar dinheiro.[1]

Não bastasse a conclusão desprezível de que o propósito do advogado ao patrocinar clientes cuja origem do patrimônio desconhece não pode ser outro que não o de anuir com prática de lavagem, havendo prestação do serviço contratado e regular emissão de nota fiscal, não há falar em contribuição para encobrimento de valores. Ademais, eventual anuência com intenções espúrias do cliente, no sentido de dissimular capital mediante pagamento de honorários, já acarreta responsabilização criminal, não havendo qualquer necessidade de nova legislação.

Oportuno mencionar, a propósito, a recente decisão do Desembargador Federal Néviton Guedes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no Mandado de Segurança Criminal nº 1000399-80.2019.4.01.0000, que após fundamentada análise teórica da (in)violabilidade do sigilo profissional do advogado, tanto à luz do direito positivo pátrio quanto do direito estrangeiro - em comparação, enfatizou que “a conclusão a que sempre se chegará é que, evidentemente, o Estado não pode, de forma alguma, valer-se do Advogado ou de seu Escritório, como forma de investigar determinada prática criminosa.”[2]

Acrescenta ainda, o eminente Magistrado, que “sem sombra de dúvida, os órgãos de persecução criminal, nos Estados democráticos, devem valer-se de suas capacitações e inteligência para encontrar outros instrumentos de investigação de determinado crime que não seja esquadrinhar, revolver e dificultar a vida profissional advogado, invadindo a sua privacidade.” E basta.

De todo repudiável, portanto, a nova tentativa legislativa de criminalizar a advocacia, a qual além de violar a Constituição ainda exige do advogado que se torne agente investigador de seus próprios clientes, papel que obviamente não lhe cabe.


[1] Vide, por oportuno, tal afirmação expressamente consignada na justificativa do PL 442 deste ano. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1707691&filename=PL+442/2019>. Acesso em 20 mar 2019.

[2] TRF1. MS nº 1000399-80.2019.4.01.0000. Disponível em: <https://pje2g.trf1.jus.br/pje-web/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?ca=e792241dd0b127b7aba3c021c959f8858488d4fc4f43dc78180a3852d4e20afef38d04360d7b3c344a38fbc2ba1c3c448e57734f66d74c63&idProcessoDoc=10054938>. Acesso em 20 mar 2019.

Por: Dr. Ruiz Ritter - OAB/RS 93.180 - advogado criminalista, professor de Direito Processual Penal e especialista e mestre em Ciências Criminais